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Varejo 4.0: lojas sem caixa nem estoque exigem mudanças nos vendedores

Empresas de varejo apostam em integração entre físico e digital para seguir relevantes e lucrar mais com novo modelo de negócio. Quem frequenta a loja de conveniência Zaitt tem a sensação de estar num filme futurista. Antes de se dirigir a um dos dois endereços, em São Paulo e Vitória, é preciso fazer uma espécie de check-in no aplicativo da empresa e incluir os dados do cartão de crédito.

A porta do estabelecimento fica trancada. Em vez de seguranças, há um leitor de QR code que oferece acesso ao interior. Dentro, basta escolher os itens, que vão de cerveja a carnes e embutidos, e colocá-los na sacola. Depois, é só sair.

A compra é identificada pelo sistema de leitura e debitada automaticamente. Não há filas, caixas nem atendentes. “Imaginamos uma loja onde o cliente seria o protagonista e pudesse experimentar um autosserviço automatizado, rápido e eficiente. Foi daí que veio a inspiração para o empreendimento”, diz Rodrigo Miranda, CEO da Zaitt.

Criada em 2016 por Rodrigo e três amigos, a empresa nem sempre foi assim. Na época, a ideia dos empreendedores era algo mais simples: um delivery de bebidas. Em poucos meses de operação, perceberam que havia potencial para investir num negócio mais ousado.

“Nossa proposta era entregar produtos em menos de 40 minutos e para isso cuidávamos de tudo, desde o estoque até a entrega. Com o tempo, esse depósito se tornou uma loja de bebidas. Só que queríamos algo mais inovador e fomos atrás de outros formatos”, diz Rodrigo.

Um ano depois nascia a primeira unidade inteligente da loja de conveniência, inaugurada na capital do Espírito Santo. A filial paulista viria somente em março de 2019. “O varejo físico tem algumas burocracias próprias, como modelos de tributação e licenças”, afirma Rodrigo.

Depois de superar essas barreiras e fazer parcerias com grandes redes, como o Carrefour, a startup, que conta com um time de 23 pessoas, tem um ambicioso plano de expansão: inaugurar 19 lojas até dezembro deste ano. “Estamos aprendendo muito com a unidade paulista, melhorando nosso modelo de negócios. Vimos que a estratégia de parceria também é a chave para crescer mais rápido”, afirma Rodrigo.

Startups como a Zaitt encontram no varejo um terreno fértil. Segundo um levantamento da aceleradora Liga Ventures, em 2017 o Brasil registrava 115 jovens empresas atuando no varejo 4.0.

Em 2018, esse número saltou para 180, alta de 56%. “Um mercado grande tem potencial superior de crescimento, por isso o varejo tem chamado a atenção”, diz Raphael Henrique Augusto, startup hunter e líder de estudos e inteligência de mercado da Liga Ventures, de São Paulo.

Nem físico nem digital

Embora a realidade do varejo tradicional no Brasil ainda esteja longe do modelo autônomo, tecnologias como totens de autoatendimento e biometria e aplicativos que gerenciam filas e personalizam ofertas ganham cada vez mais espaço.

A palavra “reinvenção” entrou para o dicionário dos varejistas em parte por causa da crise econômica. Os últimos quatro anos foram especialmente difíceis para o segmento.

Com o alto índice de desemprego e a dificuldade de acesso ao crédito, os consumidores sumiram das lojas. De acordo com o IBGE, embora o comércio tenha fechado 2018 com alta de 2% nas vendas, o crescimento acumulado nos últimos dois anos não recuperou a queda vertiginosa de 10% entre 2015 e 2016.

Nesse cenário, as companhias tiveram de abraçar de vez a tecnologia para continuar competitivas. “Inovações que descompliquem a jornada de compra serão mais presentes e terão potencial de crescimento por trazerem comodidade, economia de tempo e qualidade de vida”, diz Edmar Bulla, presidente do Grupo Croma, consultoria de inovação.

Uma das mudanças mais perceptíveis no dia a dia das lojas é a necessidade de integrar os canais de venda e acabar de vez com a competição entre o e-commerce e as unidades físicas.

Hoje, um consumidor quer ter a praticidade de comprar online e retirar o produto no mesmo dia ou experimentar um item pessoalmente, pesquisar na internet e receber em casa mais tarde.

Esse novo comportamento, que mescla online e ­offline, é chamado por especialistas de phygital (junção das palavras em inglês “physic” e “digital”) e obrigou as empresas a enxergar o óbvio: quando o cliente realiza suas compras de forma integrada em vários canais, os lucros aumentam.

Um estudo realizado pela Harvard Business ­Review em 2017, que entrevistou 46 000 pessoas, comprovou isso. Segundo o levantamento, consumidores que usam quatro ou mais meios de compra (e são bem atendidos em todos eles) gastam, em média, 9% mais do que os que usam apenas um tipo de atendimento.

De olho nesse movimento, o Grupo Pão de Açúcar (GPA) lançou em 2017 um aplicativo próprio que oferece descontos e um programa de pontos.

A rede, que faturou 53 bilhões de reais em 2018, agora está testando uma funcionalidade que permite o pagamento de compras através da ferramenta, sem que o consumidor precise passar pelo caixa, bastando aproximar o celular do código de barras dos produtos.

“A função está disponível apenas para funcionários e estamos observando o desempenho da tecnologia, mas até o segundo semestre devemos implantá-la em cinco lojas”, diz Antonio Salvador, diretor de transformação digital e ­e-commerce do GPA.

O concorrente Grupo Carrefour é outro gigante que busca inovar. Além de fazer parcerias com start­ups como Rappi, a empresa passou a investir em tecnologias como o blockchain.

Hoje, essa ferramenta é usada para rastrear a origem de alimentos, principalmente carnes suínas. Através de um QR Code, os clientes podem identificar, nas gôndolas, informações que vão do nome do criador do animal à alimentação, passando pelo meio de transporte utilizado para que chegasse ao supermercado.

“Atual­mente, com os dispositivos eletrônicos, os consumidores têm muito mais poder. As empresas precisam entender esses novos hábitos. Quem não se adaptar vai morrer”, diz Paula Cardoso, diretora do Carrefour ­eBusiness Brasil, unidade de negócios focada em inovação digital.

Um novo perfil

Esse movimento aumenta a demanda por profissionais da área de tecnologia no setor de varejo — que é um dos maiores empregadores no Brasil. Em 2018, por exemplo, o GPA contratou 30 pessoas, entre elas analistas de dados e designers de experiência de usuário, para integrar o time de inovação.

A expectativa é abrir 40 vagas para o departamento até o fim do ano e com isso ter 170 empregados dedicados ao tema. “Valorizamos profissionais que tenham como competências foco no cliente, resiliência, protagonismo e que saibam trabalhar em equipe. Hoje contamos com uma pessoa no RH totalmente dedicada à busca de perfis que possam ­atuar na transformação digital”, diz Maria Schneider, diretora de atratividade e desenvolvimento organizacional do GPA, de São Paulo.

Embora grande parte das vagas do varejo seja para a área de tecnologia, especialistas afirmam que não há motivos para acreditar que a profissão de vendedor, uma das mais antigas do mundo, esteja com os dias contados.

“Não teremos operações exclusivamente digitais porque a experiência presencial ainda é muito valorizada pelos consumidores”, diz Ricardo Pastore, coordenador do Núcleo de Varejo e Retail Lab da ESPM.

O professor Maurício Morgado, coordenador do Centro de Excelência em Varejo da Fundação Getulio Vargas, completa o raciocínio. “O modelo de negócios automatizado tende a ser mais bem-sucedido com produtos de rápida decisão, em que a ajuda humana não é necessária”, afirma ele, dando como exemplo as lojas de conveniência.

Os números comprovam essa crença. Segundo um estudo da consultoria Croma, publicado em janeiro, mesmo com 58% dos consumidores afirmando que nos próximos três anos farão suas compras pela internet, 42% deles assumem que manterão a ida às lojas físicas, pesquisando preços em ambos os canais.

Isso não significa que o perfil dos profissionais comerciais permanecerá o mesmo. “A profissão de vendas está mudando e poucos trabalhadores estão de fato se atualizando”, diz Tatiana Vidal, diretora da GoAhead, consultoria especializada em treinamentos de vendas.

De acordo com ela, aquele estereótipo do vendedor que empurra produtos deve ficar no passado. “A tendência é que a experiência de compras se torne mais híbrida, demandando mais informações e conhecimento. Isso exigirá um perfil mais consultivo”, afirma.

Atualização

E foi exatamente por entender que precisava atuar de um jeito diferente que a paulista Karen Gonçalves, de 31 anos, foi se atualizar. No varejo há 13 anos e com passagens por empresas como Arezzo, ela percebeu que só a experiência não bastava ao receber um convite para trabalhar na marca de roupa feminina Amaro em 2017.

A rede, que nasceu como um e-commerce em 2012, só inaugurou espaços físicos há quatro anos. Batizadas de guides shops, essas unidades trabalham com bastante conectividade. Nos provadores, por exemplo, há tablets nos quais os clientes conseguem reservar roupas e ver opções de combinações com outras peças.

Mesmo trocas e pagamentos podem ser feitos sem a necessidade de um vendedor. Uma realidade bem diferente daquela que Karen estava habituada. “Percebi que não sabia nada sobre o mundo digital, tive de começar do zero”, afirma. Além de ingressar num curso de inglês, ela fez um curso de extensão de visual merchandising. Fora os treinamentos que recebeu na Amaro.

“Tive capacitação em gestão de negócios, sistemas e vendas com foco em multicanais e integração com tecnologia”, diz. Hoje, depois de duas promoções, Karen é gerente de uma das principais lojas da Amaro, na zona oeste de São Paulo, e afirma que a experiência melhorou sua empregabilidade, além de representar um salário 60% mais alto.

“Estar em uma empresa que é referência faz com que o mercado abra os olhos para você. Muitas marcas estão no mesmo caminho e buscam gestores qualificados, então as propostas de emprego têm chegado com frequência”, afirma.

Consumidor digital

Além de aumentar a chance de uma carreira promissora, a nova cara do varejo brasileiro traz benefícios para o consumidor, que ganha mais protagonismo na compra, além de comodidade. Entretanto, algumas polêmicas também vêm junto com a adoção dessas tecnologias.

No ano passado, por exemplo, redes de farmácias do país foram investigadas pelo Ministério Público do Distrito Federal por uma possível venda de informações sigilosas de clientes a planos de saúde e empresas de crédito, depois de exigir o CPF dos consumidores em troca de descontos.

“Nenhuma empresa pode condicionar a comercialização de produtos ao fornecimento de dados pessoais. E o consumidor tem o direito de saber sua real intenção”, diz Patrícia Alvares Dias, supervisora do Procon-SP.

Com a Lei Geral de Proteção de Dados, sancionada em agosto do ano passado e que começa a valer em 2020, esse controle promete ser mais rígido. “Quando a le­gislação entrar em vigor, as empresas terão de informar claramente como pretendem usar as informações e se vão compartilhá-las com terceiros, além de só poderem fazer isso com a concordância do público”, afirma ­Patrícia.

Desse jeito, tendo informações antes, durante e depois da ­compra, os consumidores de fato estarão empoderados — e todo mundo vai sair ganhando.

Fonte: Exame.com

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