Da granja ao varejo, Nutribras fecha ciclo de R$ 500 milhões em busca da autossuficiência

Granja para produção de suínos da Nutribras em Sorriso (MT)
Paulo Lucion é econômico e direto com as palavras – e isso pode explicar um pouco da trajetória da Nutribras Alimentos, empresa familiar sediada em Sorriso (MT), principal polo produtor de grãos do País. Sem alarde e com um objetivo bem definido, ele vem construindo um dos cases mais completos de verticalização do agronegócio brasileiro.
Desde maio passado, o grupo que atua no segmento de carnes suínas, consolidou uma certificação internacional de autossustentabilidade, indicando que, em suas diversas frentes, é capaz de produzir todos os insumos necessários para sua operação, do campo à gondola dos supermercados.
“O que é subproduto de uma atividade já é matéria-prima para outra”, resume Lucion. “Hoje a única das carnes que pode usar o selo de autossustentável é a Nutribras”.
O feito é o resultado final de um ciclo de investimento quatro anos, em que aportou R$ 500 milhões em uma estratégia de tornar mais robusta a sua face agrícola, de forma a se tornar autossuficiente na oferta de milho para o plantel de 17 mil matrizes da atividade da suinocultura.
Com a aquisição de mais de 45 mil hectares na região, a Nutribras elevou para 16 mil hectares a sua área cultivada com milho. As mesmas áreas são usadas para o cultivo de soja na primeira safra. E, em um terceiro ciclo, cerca de 2,5mil hectares irrigados também produzem feijão.
A ampliação agrícola, com a consolidação da autossuficiência na nutrição da suinocultura, com o abate de 2,3 mil animais por dia, será, segundo Lucion, o principal vetor no crescimento da receita do grupo este ano.
Em 2024 a Nutribras fechou as contas com uma receita de R$ 700 milhões. A projeção é chegar aos R$ 800 milhões em 2025, de acordo com o empresário.
Tudo segue dentro dos planos da família, que agora prevê, nas palavras de Paulo Lucion, um respiro para “baixar o endividamento e depois voltar a investir”.
“Agora o momento está difícil. Nosso planejamento é para cinco anos, mas como o Brasil hoje está em uma situação de taxas de juros altíssimas, então a gente segurou um pouco”.
Isso não significa, entretanto, represar todos os aportes, mas eventualmente reduzir o ritmo. Nas metas de cinco anos permanece o aumento da capacidade de abate para 3 mil animais diários até 2030 – ou seja, uma ampliação de cerca de 40% na capacidade produtiva.
Para manter a autossuficiência, a área agrícola também deve crescer, atingindo até 20 mil hectares em cerca de três anos, com o investimento na conversão de pastagens degradadas em áreas produtivas, a exemplo do que já foi feito nas terras hoje cultivadas pelo grupo.
Hoje o grupo cultiva áreas próprias nos municípios de Sorriso, Vera, Nova Ubiratã, e em uma propriedade arrendada em Paranatinga
Nas fazendas da Nutribras, as lavouras têm apresentado produção de 72 sacas por hectare na soja e 150 sacas no milho, superiores às médias da região.
A empresa também deve aumentar de 8% para até 15% a participação de animais fornecidos por parceiros nos abates do frigorífico.
Emissões zeradas
“Um investimento que a gente não está segurando é a transformação do biogás em metano para fazer combustível veicular”, afirma Lucion.
Esse é um antigo sonho do grupo, que também esperou pelo momento certo. Há cerca de três anos a Nutribras chegou a testar, com sucesso, um protótipo de caminhão movido com o biocombustível.
Na época, entretanto, o projeto foi adiado porque, de acordo com o empresário, o preço dos caminhões a metano era muito caro. “Hoje os preços estão viáveis, então a gente está retomando”, afirma.
Assim, o momento agora é de investir na transformação do gás produzido os biodigestores da empresa em biometano para a frota do grupo – e talvez um pouco mais.
Desde o ano 2000, a empresa passou a instalar biodigestores para gerar energia e adubo orgânico (que hoje atende a toda a área plantada da companhia) a partir dos resíduos da suinocultura.
Os investimentos desde então tornaram as fazendas da Nutribras em autossuficientes em eletricidade. E ainda havia um excedente de gás, que era queimado para não ir de forma pura e poluente para a atmosfera.
A geração de energia também para a indústria chegou a ser analisada, mas descartada em busca de uma alternativa mais rentável, que agora se materializou.
“O metano agora é o que vai dar certo”, aponta Lucion.
Ele abriu há poucos dias um processo de captação para levantar os R$ 80 milhões necessários para instalar, em dois anos, uma fábrica de purificação. Como o nome diz, a unidade deve purificar o biogás transformando-o em metano e dando a ele as mesmas características do gás natural veicular (GNV).
O projeto, já aprovado, prevê a produção de 30 mil metros cúbicos de biometano por dia, o que, segundo Lucion, equivale a 30 mil litros de diesel.
Simultaneamente, serão feitos investimentos na substituição dos 50 caminhões frota da companhia de diesel para o biocombustível.
“Mas na hora que transformar isso vai ter um excedente que a gente vai colocar no mercado também. A gente espera atender uma frota de 200 caminhões”, diz.
“A gente ainda gera um pouco de emissão pelo consumo de diesel. Aí vai zerar toda a nossa emissão. Vai ficar tudo combustível limpo”.
A rota para o Norte e além
A Nutribras é uma das pioneiras da produção de proteínas animais no Mato Grosso, atividade que hoje prospera justamente pela farta oferta de milho e soja usados na alimentação dos planteis.
“O milho mais barato produzido no mundo ainda é o da nossa região”, explica Lucion. “Por isso,aqui é o local mais barato para se produzir suíno ou aves”.
A família Lucion apostou nisso há cerca de 30 anos. Suinocultores no Oeste de Santa Catarina, eles mantinham uma granja no município de Abelardo Luz desde 1981. Paulo, então, tinha apenas 12 anos e seu pai, como produtor integrado, entregava sua produção à Seara, hoje pertencente à JBS.
No início dos anos 1990, eles começaram a olhar para o Norte. Em 1993, adquiriram a primeira propriedade, de 600 hectares, em Sorriso, com o primeiro objetivo de produzir lá o milho que seus animais consumiriam no Sul.
“E aí, numa crise da suinocultura, em 1998, a gente tomou a decisão de vir para o Mato Grosso”, conta. “E em 2000, a gente migrou a suinocultura do Sul para cá”.
A decisão, foi, antes de tudo, econômica. “70% do custo da suinocultura é nutrição, é ração”, justifica o empresário.
A operação no MT começou com 800 matrizes, com a produção sendo comercializada com frigoríficos do estado.
A experiência mostrou, então, uma oportunidade. “A gente viu que o custo de produção aqui era baixo, a produtividade era boa, e foi crescendo a produção”, relata Lucion. Até que surgiu o próximo desafio.
Com uma capacidade de produção que excedia a demanda dos frigoríficos locais, parte dos suínos era embarcada em caminhões para o abate em Goiás ou até São Paulo.
“Chegou um momento que a gente viu que precisava abater os animais aqui”, diz. Nas viagens, ele destaca, “o bem-estar animal é horrível e, com a distância, o animal chega mais judiado”.
A solução encontrada foi a construção do frigorífico próprio, decisão tomada em 2009. Foram dois anos de investimentos e obras até a inauguração, em 2011.
Os principais mercados continuavam longe da produção, mas a conta da logística justificava a decisão. “O desafio é bem menor quando se transporta produto de valor agregado. Então, ao invés de levar três carretas de milho, levava uma de carne”, explica o empresário.
O desafio atual é agregar ainda mais valor ao produto. A autossuficiência, por si só, não gera, no mercado, um diferencial de preço para a produção da Nutribras.
“Mas a gente consegue acessar os mercados que são mais exigentes. E no futuro vai ter meio que uma exigência desse sistema de produção”.
Uma dos formas de diferenciação que ele encontrou foi a aposta na raça de suínos Duroc, de origem americana, que posiciona parte das linhas da Nutribras na prateleira das carnes premium.
O grupo atua apenas com marca própria, hoje presente em praticamente todo o País, com exceção dos estados do Sul, onde a concentração de grandes frigoríficos torna a concorrência mais intensa.
Cerca de 8% das receitas da empresa vem hoje da exportação, sobretudo para mercados do sudeste asiático. A habilitação para a venda para a China ainda não foi obtida, mas é outra meta a ser atingida.
Com isso, o objetivo da Nutribras é expandir a participação das exportações no negócio até uma faixa de 15%. Para Lucion, o mercado interno ainda é uma prioridade, “é onde a gente gosta de trabalhar”.
“O mercado externo sempre tem as oscilações maiores, então assim, quando você fideliza o cliente no mercado interno, você conquista uma maior estabilidade”, afirma.
Resumo
- Empresa familiar de Sorriso (MT) torna-se autossustentável, produzindo todos os insumos da cadeia suína — do campo ao varejo
- Nutribras investe R$ 80 milhões em fábrica de biometano e frota limpa, mirando emissões zero e nova fonte de receita
- Grupo planeja ampliar abate em 40% até 2030 e exportações a 15%, com expansão agrícola sustentável
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